goiânia recentemente inaugurou seu monumental projeto de mobilidade urbana: 17km de BRT oferecendo um transporte norte-sul mais agilizado para quem depende dos ônibus. foram 10 anos de avenidas interditadas e obras, desde a época da copa do mundo. a dilma era presidenta!
o BRT norte-sul é mil vezes melhor que o BRT leste-oeste, antigo eixo anhanguera. o caminho dos ônibus é feito com concreto em vez de asfalto, que dura mais tempo. as estações são mais modernas, limpas, seguras, e possuem comodidades que o leste-oeste muitas vezes falta, inclusive na sua estação central que conecta com o norte-sul.
goiânia tem um sistema de transporte metropolitano meio monstruoso, com 21 terminais em mais de 4 cidades e mais de 300 linhas de ônibus. alguns terminais, como o isidória, cruzeio e garavelo, são grandes o bastante para bater de frente com terminais de são paulo, ou até terminais rodoviários de cidades inteiras. obviamente o BRT é uma conquista ótima que vai melhorar a vida de muita gente por décadas, mas... a cidade inteira só vai depender de ônibus?
hierarquia no transporte público
parte do urbanismo é pensar em hierarquias viárias: as arteriais, coletoras e locais. a rua da sua casa provavelmente é uma via local (ruas, vielas, travessas), ou talvez até uma coletora (avenida), e dificilmente uma arterial (rodovias, marginais). precisamos organizar o sistema viário dentro dessa hierarquia para que ele funcione: arteriais são para se locomover rapidamente, coletoras levam as pessoas das arteriais e para as arteriais, e as locais são onde a maioria dos destinos realmente estão.
transporte público pode funcionar da mesma maneira: você chega na cidade de trem ou ônibus rodoviário, segue para o metrô e desce na estação mais perto do seu destino. lá, você pode andar ou pegar um ônibus. existem várias maneiras de manter essa hierarquia, e é sempre importante notar qual tipo de transporte público você está usando para a hierarquia em questão.
se você precisa levar pessoas para o centrinho comercial do bairro, um ônibus deve suprir. jornadas de mais de 10km? um ônibus vai pegar trânsito e faróis, parar em muitos pontos e, dependendo, ficar superlotado de carregar tanta gente pro destino no ponto final. não seria melhor algo mais ágil? talvez com maior capacidade também, caso tenha muita gente descendo em um só lugar.
essa demanda é para um modal de transporte mais rápido, ou seja, rapid transit. isso envolve distância maior entre estações, normalmente de 800m-1.5km, como também segregação da via para o veículo não pegar trânsito e poder acelerar o máximo possível entre tais estações. o BRT é um exemplo disso, sendo sigla para bus rapid transit, ou seja, transporte rápido com ônibus. mas, quais as outras opcões?
bom, primeiramente e mais óbvio são os metrôs. trens médios a grandes que cabem muita gente numa via onde nada mais anda além desses trens. sem cruzamentos com outros modais, eficiente, rápido e sem falhas nem colisões (idealmente). outro exemplo é o LRT, light rapid transit. é o famoso VLT: trens mais finos, curtos e flexíveis que os de metrô seguindo um caminho segregado mas nem taaanto, ainda tendo alguns cruzamentos com ruas. oferecem uma capacidade e rapidez levemente aquém de metrôs, parando mais vezes e tendo aceleração mais lenta normalmente. funcionam melhor em lugares muito densos (como o centro do RJ), para reabilitar trilhos antigos de bonde para um uso moderno, ou para oferecer transporte rápido à la metro num custo bem menor (VLT de santos <3).
cruzamento do VLT de santos com uma avenida, onde o trem espera os carros passarem |
sabendo de tudo isso, o que faria alguma cidade escolher um BRT acima de metrô ou VLT ou... monotrilho ou... teslas dirigindo sozinho em túneis sem saída de emergência? (realmente fizeram isso em las vegas)
capacidade, velocidade e custos
o BRT tem uma reputação incrível, na verdade. foi uma invenção brasileira feita pela primeira vez em curitiba, que até hoje serve como exemplo. mas eu, pessoalmente, tenho críticas, especialmente para cidades com boom populacional metropolitano que procuram investir em rapid transit.
prédios e mais prédios nas áreas nobres |
um BRT funciona bem, até! as pessoas conseguem pegar um ônibus no subúrbio e ir direto ao centro com mais rapidez e conforto devido às vias segredadas e estações espaçadas. os ônibus estão funcionando como viagens rápidas de distâncias médias, uhul! mas lentamente, um monstro assombra o sistema de BRT de goiânia... a superlotação.
ônibus simplesmente não conseguem ser tão longos assim. os maiores modelos existentes só tem duas articulações, como os vermelhões em curitiba que cabem 270 passageiros e tem comprimento de 28m. em comparação, os VLTs usados em santos cabem 400 pessoas em 40m de comprimento, e ele nem é um modelo especialmente longo de VLT. você move mais pessoas com 1 só condutor, e os trilhos certificam que ele não vai perder o controle de direção. (um benefício extra de VLTs é que os trilhos podem ser colocados em grama, o que ajuda com absorção de chuva e dá uma vibe muito natureba que eu amo)
além disso, existe um limite humano pra frequências de ônibus e, num certo nível, VLTs também. vários metrôs hoje são automatizados, e conseguem frequências de 1min30s entre trens. mesmo com um trem minúsculo, você consegue ter uma capacidade gigantesca e por um custo operacional baixo, apesar do custo maior de implementação. um ônibus não consegue aderir à uma tabela de horários tão rígida assim, e os ônibus ficariam coladinhos um do outro. operacionalmente, isso só não é eficiente nem barato, e basicamente causa trânsito de ônibus com ônibus. é muito melhor que trânsito de carros, mas existem melhores soluções.
pense melhor no futuro
finalmente, chegando no ponto do artigo: o que mais me preocupa com o BRT em goiânia é que ele é o modal de maior capacidade no sistema inteiro. ônibus articulados em vias segregadas são... só. e o plano que existia do VLT foi completamente pro beleléu visto que fizeram o BRT leste-oeste no lugar. foi culpa da odebrecht na defesa da RMTC!
isso é preocupante em uma região com crescimento pronunciado. senador canedo foi a cidade com maior crescimento percentual no censo de 2022, virando uma das maiores cidades do estado. tudo indica que a região metropolitana de goiânia só vai expandir e se espalhar e conurbar mais e mais... e uma faixa de ônibus parruda simplesmente não vai segurar todo o tranco que vai vir aí nas próximas décadas.
o ideal seria um planejamento holístico da cidade inteira, um sistema inteiro pré planejado que é realizado em fases; e um sistema que possui capacidade pro futuro de goiânia, que se mostra próspero e populoso. um modal comum na frança para cidades que precisam de transporte rápido mas não tem necessidades de capacidade gigantesca são os metrôs leves: metrôs com trens curtos, estações menores e completamente automatizados. um exemplo fenomenal é o skytrain em vancouver, que move centenas de milhares de pessoas todo dia com trens que não chegam nem a 100m de comprimento. a canada line tem trens pitiquissimos de 2 carros mas que chegam a cada 3min no horário de pico e movem muita gente consequentemente.a canada line cuti cuti
isso sim seria um modal que está pronto para o que for necessário. seja eventos especiais que demandam serviço 24h ou mudanças urbanísticas e demográficas ao decorrer de décadas, a população e o governo sabem que a infraestrutura vai estar lá como um eixo permanente para se desenvolver em volta e depender dele todo dia. os metrôs mais antigos existem há mais de 100 anos e ainda são parte do cotidiano das pessoas. esse é o poder de infraestrutura urbana bem feita: a permanência e perenidade.
agora, um sonho
ainda existe um mundo onde os BRTs de goiânia são convertidos para outros modais devido a necessidades de capacidade, e isso é um mundo frustrante visto que temos o expertise no brasil para construção de metrôs logo de primeira. pelo melhor ou pior, estou falando de são paulo.
as pessoas não notam as vezes mas o metrô de são paulo realmente está em nível internacional de engenharia, planejamento, tecnologia e eficiência. a linha 1 - azul tem frequências de 1min30s desde os anos 80 e sem ter, na época, a sinalização automatizada característica dessas frequências altas. transferências entre linhas foram planejadas décadas em antecedência. a linha 6 - laranja atualmente em construção é o maior projeto de infraestrutura da américa latina. o brasil tem o conhecimento, tecnologia, mão de obra, histórico e fábricas para implementar metrôs e VLTs no país inteiro, mas o projeto inicial mais barato dos BRTs acaba vencendo em situações onde flexibilidade de operação não deveria ser um benefício, e o planejamento de longo termo não existe. quando uma região metropolitana precisa pensar em transporte público de alta capacidade, ela precisa de uma rede interconectada com capacidades máximas muito mais expansíveis que um BRT consegue oferecer; eu acredito que com mais incentivo federal, isso poderia ser uma realidade mais presente nas cidades ao redor do país.
não existe um movimento forte no brasil que prioriza transporte público de qualidade; valorizamos muito o carro como um objeto de liberdade e melhora de qualidade de vida. o carro aqui tem um apelo de fugir da "vida de pobre", do sofrimento de ônibus lotado e do cecê de trabalhador às 18h. mas haja dito, nenhuma cidade funciona só com carros, e a única solução pra trânsito são alternativas boas ao dirigir. existe um brasil onde ninguém anda de carro pela conveniência porque o transporte público já é conveniente e rápido o bastante, e por várias razões as cidades brasileiras estão especialmente aptas a fazer isso uma realidade. quem sabe outro dia eu falo melhor de como podemos chegar lá.
- andré
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